Siga-nos

Súmula 331/TST e Recuperação Judicial: colisões normativas e impactos para a preservação da empresa

O ponto fulcral do presente texto é a indevida responsabilização patrimonial das empresas tomadoras de serviços cujos contratados são empresas em recuperação judicial, e como isso vem trazendo problemas às recuperandas e esvaziando a finalidade e regras da Lei n. 11.101/05, chegando a enfrentar conceitos do próprio Código Civil.

Sobre a recuperação judicial, defendemos que as empresas devem esgotar, sempre, todos os meios extrajudiciais para a resolução de conflitos, de forma a não delegar ao Judiciário o destino de seus negócios, empregos e contratos. Mecanismos como a própria recuperação extrajudicial, a implementação de uma estrutura forte de recursos humanos acompanhado da implementação de um compliance trabalhista, são essenciais, hoje em dia, para a redução de conflitos e passivos.

A finalidade da Lei n. 11.101/05 é viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, e, consequentemente, a manutenção da cadeia de fornecimentos, empregos, tributos etc. Nenhum Estado cuja Carta Magna traz o trabalho e a livre iniciativa juntos como um dos fundamentos da República deseja ou deve permitir que suas empresas simplesmente sejam lançadas à bancarrota, sob o argumento genérico de vulnerabilidade individual do trabalhador, ou de qualquer credor.

Nesse sentido, vejamos o que diz a norma estampada no art. 47 da Lei n. 11.101/05:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

O deferimento do processamento da recuperação judicial somente ocorre quando a empresa comprova ser minimamente viável, e, na maioria dos casos observados, o juiz da causa determina a realização, por profissional habilitado, de laudo de constatação prévia acerca desse fato. Quer dizer, que a RJ somente prossegue para empresas que querem e podem soerguer-se, e não para beneficiar fraudes ou golpes contra credores.

Quando não há outra saída senão a via da recuperação judicial, é importante sabermos que diversos fatores podem enfraquecer a finalidade da Lei n. 11.101/05. Uma das maiores barreiras para a manutenção das operações comerciais é a dificuldade de fechamento de novos negócios, vez que a condição de recuperanda torna-se pública, inclusive, passa a constar na razão social da empresa em recuperação.

Além disso, manter os contratos e os clientes atuais também não é tarefa fácil, quando nos deparamos com o posicionamento da Justiça Trabalhista acerca da responsabilização subsidiária dos tomadores de serviços, por meio da aplicação da Súmula 331 do TST. Os casos de maior atenção são aqueles em que a recuperanda atua como empresa terceirizada de serviços, ou para aquelas que atuam na empreitada de obras civis quando seus contratantes também são empresas do ramo da construção civil (aqui, segundo a jurisprudência trabalhista, a responsabilidade seria solidária).

A Súmula 331/TST, inciso IV (com a extensão dada pelo item VI), estabelece que a empresa tomadora de serviços responde subsidiariamente pelas verbas trabalhistas devidas pela contratada, desde que seja beneficiada diretamente pela prestação dos serviços ocorra a participação da tomadora na relação processual ou título executivo.

Inclusive, há o entendimento de que não se aplica o benefício de ordem, ou seja, o credor trabalhista não precisa aguardar o esgotamento de todas as medidas cabíveis contra o devedor principal, podendo avançar no patrimônio do tomador dos serviços. Esse entendimento estaria fundado na premissa de que as verbas trabalhistas não deveriam aguardar o pagamento nos termos do plano de recuperação judicial, o que traria prejuízo ao trabalhador.

Caso o tomador seja ente público, é vedada a responsabilidade automática, a menos que haja comprovação de culpa in eligendo ou in vigilando, conforme consolidado pelo STF no RE 760.931 (Tema 246).

Ao nosso ver, esse entendimento da Justiça Trabalhista entra em rota de colisão com as normas dos artigos 6º e 49 da Lei n. 11.101/05, que estabelecem o chamada juízo universal e a concursalidade dos créditos submetidos à RJ. Tais normas disciplinam que cabe ao juiz da recuperação judicial e aos credores da empresa em recuperação a forma como os créditos que estão submetidos deverão ser pagos.

Se o crédito trabalhista em fase de execução é oriundo de contrato de trabalho anterior à data do pedido de recuperação, por se tratar de uma relação de trato sucessivo, os valores deverão ser submetidos ao crivo da RJ. O STJ já teve a oportunidade de se manifestar nesse sentido (AgInt no REsp 1793713/DF, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/04/2019, DJe 15/04/2019):

2. Precedentes desta Corte Superior, proferidos em demandas relativas a crédito trabalhista e de responsabilidade civil, no sentido de que a data do fato gerador da obrigação seria o marco temporal para a sujeição ou não do crédito à recuperação judicial, ainda que a liquidação venha a ocorrer em data posterior.

Por se tratar de norma de caráter especial, ou seja, disciplina especificamente as empresas em recuperação judicial e seus credores (quando o crédito está submetido), deveria prevalecer sobre a legislação e as normas de caráter trabalhista, conforme determina a hermenêutica jurídica (princípio da especialidade). As regras que regulam a competência universal do juízo da recuperação e da falência devem ser interpretadas de forma sistemática (interpretação sistemático-teleológica), sob pena de ocorrer um provável esvaziamento dos objetivos da recuperação judicial.

Nesse sentido, permitir a continuidade da execução contra as empresas tomadoras de serviços, além de enfraquecer o núcleo do princípio da preservação da empresa, afastando negócios diante do risco aumentado, exauriria a regra que estabelece a concursalidade (artigos 6º e 49 da Lei n. 11.101/05), estabelecendo uma espécie de burla entre o crédito trabalhista e os demais créditos submetidos à recuperação judicial.

Veja-se, por exemplo, que créditos com maiores privilégios aos créditos trabalhistas, como é o caso dos créditos extraconcursais, ou mesmo os demais créditos trabalhistas pertencentes à mesma classe, seriam indevidamente prescindidos, o que, em tese, geraria uma violação ao princípio da pars conditio creditorum (igualdade de tratamento entre os credores).

Veja-se, noutra via, que a aprovação do plano de recuperação judicial configura numa espécie de novação cogente da dívida, que obriga a todos os credores, inclusive os trabalhistas. De acordo com o ilustre professor Washington de Barros Monteiro, novação (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Obrigações. 32. ed. Saraiva: São Paulo, p. 291):

É a substituição de uma dívida por outra, eliminando-se a precedente. Desaparece a primeira, e, em seu lugar, surge nova. Esse seu conteúdo essencial, aliás, duplo: um extintivo, referente à obrigação antiga; outro gerador, relativo à obrigação nova. Não existe, pois, tão-somente, uma transformação; o fenômeno é mais complexo, abrangendo a criação de nova obrigação, que se substitui à antiga

Essa forma de renegociação está disciplinada dentro dos direitos das obrigações, conforme Código Civil, arts. 360 ao 367. Apesar da CLT prever algumas modalidades de acordos e transações, não traz qualquer alusão acerca da novação, que se distingue destas.

Tratando, portanto, da extinção da obrigação anterior, os seus efeitos devem irradiar sobre os devedores subsidiários, conforme leitura atenta do art. 365 do CC. Isso por força de lei.

Em resposta à continuidade das execuções trabalhistas contra dos tomadores de serviços das empresas em RJ, que acabam sendo responsabilizados subsidiariamente, o STJ, ainda de forma tímida, ao nosso ver, passou a entender que esses tomadores, quando pagam essas dívidas (sub-rogação), passam a integrar a recuperação judicial como credores da recuperanda, mantendo todos os direitos e privilégios do credor original (REsp 1924529 / SP).

Entendemos, de forma crítica, que a aplicação automática da Súmula 331 nestes casos acaba por esvaziar as normas da Lei n. 11/101/05, fragilizando ainda mais as empresas que enfrentam o já complexo processo judicial de recuperação. Essa postura também enfrenta e desafia outros conceitos e regras do nosso sitema jurídico, como é o caso da novação do débito e seus efeitos, na esteira dos arts. 360 ao 367 combinados com o art. 59 da LFRE.

Um caminho viável seria a discussão legislativa sobre o tema, trazendo um texto claro na própria LFRE. Até lá, sugere-se que os Tribunais Extraordinários consolidem a jurisprudência, com base no ordenamento posto, fazendo valer as normas e regras cogentes, levando em conta uma interpretação sistemático-teleológica.

Carlos Angélico Campos de Lima Filho

OAB/DF 44.437

e-mail: carlos@correiaelimafilho.com.br

#sumula331 #recuperacaojudicial #recuperacaoempresarial #falencia #lei11101

Compartilhe:
Facebook
WhatsApp
Email
LinkedIn

Mais recentes

Os efeitos da falência sobre os sócios

Quando as empresas entram em crise, passando a acumular dívidas com fornecedores, empregados e tributos, é bastante provável que algum credor, para forçar o recebimento

Sobre a ação de prestar ou exigir contas

A ação de prestar ou exigir contas é um instrumento processual previsto no ordenamento jurídico brasileiro, que busca garantir a transparência nas relações jurídicas em