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Sobre a ação de prestar ou exigir contas

A ação de prestar ou exigir contas é um instrumento processual previsto no ordenamento jurídico brasileiro, que busca garantir a transparência nas relações jurídicas em que uma parte administra bens, interesses ou valores de outra.

Nas relações empresariais, sua aplicação é recorrente, especialmente nos contratos de locação empresarial em shopping centers, em que o locatário é frequentemente submetido a cobranças por encargos comuns (como fundo de promoção, despesas condominiais e marketing), cuja composição nem sempre é clara.

A ação de prestação de contas está prevista nos artigos 550 a 553 do Código de Processo Civil. Segundo o artigo 550:

“Aquele que afirmar ser titular do direito de exigir contas poderá ajuizar ação própria, observando-se o procedimento previsto neste Capítulo.”

Além disso, é importante observar o que diz o Código Civil, em seu artigo 927, estabelecendo que:

“Aquele que administra bens, negócios ou interesses de outrem, é obrigado a prestar contas de sua gestão.”

O procedimento se dá em duas fases:

  • Primeira fase: apura-se o dever/obrigação de prestar as contas (se a parte tem ou não essa obrigação).
  • Segunda fase: caso o dever/obrigação seja reconhecido, as contas são apresentadas e discutidas (apuração do saldo devedor, se houver).

Na primeira fase do processo, discute-se o dever de prestar contas. O locador poderá alegar, por exemplo, que já o fez espontaneamente ou que não há relação de administração de bens.

Na segunda fase, o locador apresentará os documentos e planilhas de despesas, permitindo ao locatário analisar, impugnar e eventualmente apontar irregularidades.

É comum, nessa fase, a nomeação de perito-contador, para verificar a correção dos lançamentos e valores cobrados

A ação é cabível quando houver:

  • Uma relação jurídica que justifique a administração de bens, interesses ou valores alheios;
  • Dúvida, omissão ou recusa na apresentação espontânea das contas;
  • Interesse jurídico na apuração do saldo credor ou devedor da relação.

Sobre o interesse jurídico, é muito importante ter cuidado para não se confundir a ação de exigir ou prestar contas com a ação de cobrança. Dessa forma, recomenda-se que exista uma solicitação prévia da parte interessada, na via extrajudicial, e que, a parte que detenha o dever/obrigação de prestar as contas haja com omissão, deixe dúvidas sobre as informações prestadas ou se recuse de forma injustificada.

Se ocorrer a prestação das contas na via extrajudicial, a dúvida deve ser aquela proveniente da prestação inadequada das contas, fora daquilo que determina o art. 551 do CPC, e não da mera discordância dos valores. Nesse caso, corre-se o risco da extinção do processo sem resolução do mérito, diante da falta de interesse de agir ou da inadequação da via eleita (ação de cobrança e não de prestar contas).

Nas locações em shopping centers, tais pressupostos estão normalmente presentes, pois o shopping exerce, de forma concentrada, a administração de despesas comuns, que são repassadas aos lojistas por meio de cobrança pró-rata. O locador, nesse caso, atua como gestor de recursos alheios, o que justifica o dever de prestar contas.

Nos contratos de locação em shopping centers, os locadores comumente exigem do lojista o pagamento de taxas como:

  • Despesas condominiais ordinárias e extraordinárias;
  • Fundo de promoção;
  • Taxas de manutenção e segurança;
  • Marketing institucional.

Essas despesas são geridas exclusivamente pelo shopping center, sem participação do lojista na deliberação, e muitas vezes sem qualquer demonstração documental detalhada, gerando dúvida quanto à correção dos valores cobrados.

A jurisprudência tem entendido que, nessa hipótese, o lojista tem legitimidade ativa para propor ação de prestação de contas contra o shopping (locador), com vistas à obtenção de documentos e esclarecimentos sobre os valores cobrados.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem jurisprudência consolidada no sentido de reconhecer a legitimidade da ação de prestação de contas nessas hipóteses. Destaca-se:

STJ – AgInt no AREsp n. 2.591.060/SP

Relator: Min. Raul Araújo – Data do julgamento: 25/11/2024

“A emissão de quitação ampla e irrestrita, ao final do contrato de locação, não impede que o locatário, depois, exija a prestação de contas em face da administradora de shopping center, a fim de verificar a regularidade da cobrança de despesas de condomínio.”

TJSP – Agravo de Instrumento 2173523-48.2025.8.26.0000

Relator: Des. Marcus Vinicius Rios Gonçalves – Data do julgamento: 24/06/2025

“Demandada que é administradora de “shopping center” Manutenção da deliberação – Locatária que pretende a prestação de contas em relação aos encargos comuns – Reconhecida a relação jurídica e o recebimento de valores pela agravante – Obrigação de prestar contas reconhecida, conforme art. 551, do CPC – Precedentes – Decisão mantida – Recurso desprovido.”

A ação de prestação de contas revela-se uma ferramenta essencial para o equilíbrio das relações contratuais, em especial para as locações empresariais em shopping centers, permitindo ao lojista o acesso à informação e ao controle sobre despesas impostas unilateralmente.

A jurisprudência do STJ e dos tribunais estaduais tem sido firmes no reconhecimento do dever do shopping center de prestar contas individualente ao locatário comercial, reconhecendo a gestão de bens e interesses alheios na administração dos encargos repassados ao lojista.

Frente à tendência de desequilíbrio contratual nesses contratos de adesão, a ação de prestação de contas se impõe como instrumento de transparência, justiça contratual e controle de abusos.

Carlos Angélico Campos de Lima Filho

Especialista PUC/MG

OAB/DF 44.437

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