Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão de grande impacto no direito tributário empresarial ao julgar o Recurso Especial 2.235.857/AM, mantendo decisnao do TJAM reconhecendo que os sócios retirantes não podem ser responsabilizados por débitos tributários da sociedade, salvo demonstração concreta de fraude ou abuso. Essa orientação representa uma significativa evolução na proteção patrimonial do sócio e reforça parâmetros para a responsabilização tributária.
Neste artigo, fazemos uma análise dos principais pontos da decisão, seus fundamentos, consequências práticas e os cuidados que empresários e advogados devem observar daqui em diante.
Contexto e antecedentes jurisprudenciais
Historicamente, muitos tribunais estaduais e administrativos responsabilizavam sócios retirantes pelos tributos devidos pela empresa, baseando-se em normas como o art. 135 do Código Tributário Nacional (CTN) e no princípio da responsabilidade patrimonial dos sócios. A tese mais adotada era a de que o sócio que se retira responde pelos débitos sociais até a data da retirada, integrando a obrigação na ordem jurídica tributária.
Contudo, essa solução vinha sendo questionada com crescentes argumentos de insegurança jurídica, distorções patrimoniais e distanciamento entre casualidade e responsabilidade. A decisão do STJ traz um contraponto importante, limitando a responsabilização automática dos retirantes.
Os fatos do REsp 2.235.857/AM
No caso concreto, sócios que haviam se retirado da sociedade foram alvo de execução fiscal pela Fazenda Pública visando cobrança de tributos supostamente devidos pela empresa após sua retirada. A Justiça de origem deferiu tutela de urgência, afastando a responsabilização, sob fundamento de que a retirada ocorreu de forma adequada, perante a junta comercial.
Nas contrarrazões ao Recurso Especial, os sócios sustentaram que a atribuição automática de débito tributário aos retirantes viola princípios constitucionais (como devido processo legal, capacidade contributiva e proteção da confiança) e que eventual responsabilização depende de comprovação de conduta ilícita específica. O STJ, por meio de decisão monocrática, proferida pela Min. Regina Helena, manteve a decisão proferida pelo TJAM, que teria acatados esses argumentos.
A tese firmada pelo STJ
Ao julgar o REsp 2.235.857/AM, o STJ, mesmo que de forma monocrática, ao rejeitar o recurso especial manejado pelo ente público, ao manter acórdão proferido pelo TJAM reforça o entendimento de que não cabe responsabilização automática dos sócios que se retiraram regularmente da sociedade, por débitos tributários, salvo nos seguintes limites:
- Deve haver comprovação concreta de fraude, confusão patrimonial ou conduta ilícita por parte do sócio retirante que tenha contribuído para o inadimplemento tributário.
- A responsabilização exige nexo de causalidade direto entre a atuação do retirante e o dano tributário exigido.
- Não basta mera alegação genérica: a Fazenda deve demonstrar, em processo administrativo ou judicial, os elementos que configuram abuso ou desvio.
Esse entendimento segue a linha da tese n. 962 do Superior Tribunal de Justiça, que trata dos casos de redirecionamento. Conforme narrado, o caso concreto tratou, noutra via, da inclusão dos ex-sócios na própria CDA.
Em outras palavras, há uma tendência por rejeitar a aplicação abstrata e indiscriminada da norma do art. 135 do CTN a retirantes, estabelecendo uma exigência de motivação concreta e individualizada para cada caso.
Além disso, a decisão do TJAM ressaltou a importância de preservar a segurança jurídica, evitando surpresas patrimoniais indevidas contra quem deixou de integrar a sociedade em tempo hábil.
Fundamentação jurídica destacada
Entre os fundamentos que embasam essa decisão, podem ser destacadas:
- Princípio da segurança jurídica e proteção da confiança: um sócio retirante, que rompeu vínculos sociais de forma legítima, deve ter previsibilidade de que não será surprendido posteriormente por obrigações tributárias da sociedade, salvo evidência de transgressão grave.
- Devido processo legal e direito de defesa: a imputação de responsabilidade tributária exige ato motivado, individualizado, observância do contraditório e garantia de ampla defesa.
- Nexo causal e conduta culpável: não basta a condição de sócio retirante, é necessário demonstrar que ele, por ação ou omissão dolosa ou culposa, contribuiu para a constituição ou a não extinção do débito.
- Limitação da responsabilização subjetiva: a decisão reforça que a responsabilização tributária exige fundamentação concreta e individual, afastando o risco de responsabilização indiscriminada e automática.
Consequências práticas da decisão
Essa orientação traz algumas consequências relevantes para empresas, sócios e advogados:
- Maior proteção patrimonial do sócio retirante que age dentro dos parâmetros legais de desligamento da sociedade.
- Maior dificuldade para a Fazenda Pública imputar débitos tributários a antigos sócios, exigindo investigação específica e produção de provas robustas.
- Incentivo à formalização plena dos atos societários de retirada — atas de assembleia, distrato social, comunicação aos órgãos fazendários — para evidenciar a saída legítima.
- Maior cautela para sócios ativos e retirantes planejarem seus atos societários, com assessoria jurídica preventiva.
- Na defesa em execuções fiscais, base de sustentação para impugnações (exceções de pré-executividade, embargos) com fundamento na ausência de comprovação concreta de ilícito.
Limitações e desafios
Apesar da novidade positiva, esse entendimento não opera como salvo-conduto absoluto. Alguns desafios persistem:
- A Fazenda Pública poderá insistir em ações com base em normativos locais ou legislação estadual que prevejam responsabilização subsidiária de sócios.
- Em casos de sociedades insolvência ou falência, outras normas especiais (como a legislação falimentar) podem ter incidência distinta.
- A exigência de prova robusta poderá gerar litigiosidade intensa em sede de instrução, com debates técnicos e periciais.
- A aplicação prática dependerá da uniformidade de julgados futuros — essa decisão do TJAM pode ser referência, mas ainda será testado em casos concretos.
Como usar essa decisão na prática
Se você é advogado ou sócio próximo de desligar-se de sociedade, algumas estratégias se tornam mais relevantes:
- Formalize com precisão o ato de retirada (distrato social, ata de assembleia, comunicação aos órgãos públicos).
- Guarde documentos que demonstrem boa-fé, ausência de envolvimento em gestão irregular ou práticas lesivas.
- Em execução fiscal que impute responsabilidade, solicite diligência probatória quanto ao nexo de causalidade e eventual conduta ilícita, e invoque o precedente do STJ.
- Em planejamentos sucessórios ou societários, utilize essa segurança para mitigar riscos patrimoniais.
Por fim!
A decisão do STJ no REsp 2.235.857/AM representa um significativo avanço no equilíbrio entre a proteção do Fisco e a segurança jurídica dos titulares de participações societárias. Ao afastar a responsabilidade automática dos sócios retirantes e exigir comprovação de fraude ou conduta específica, o STJ contribui para uma tributação mais justa e previsível.
Contudo, trata-se de um passo dentro de um caminho mais amplo: será essencial que essa orientação se consolide em futuros julgamentos e que as defesas em sede administrativa e judicial a incorporem como fundamento estruturante. Para sócios, empresas e advogados, o momento é de atenção redobrada na formalização dos atos societários e na estratégia de defesa tributária.
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